Dream
Nossos sonhos escondem segredos inimagináveis.
Uma asa nasceu da costa direita da garota, rasgando a pele e sujando as plumas brancas com o rubro do sangue, junto com o nascimento da asa o lado direito de seu cabelo escuro assumia a cor do mais puro branco. A menina mantinha os olhos fechados pela dor e os punhos cerrados pela raiva, ao seu redor, a sala da casa estava completamente manchada de sangue, um corpo adulto estava desfalecido ao chão e uma jovem encolida atrás de si sendo protegida por sua asa.
Ela abriu os olhos fitando o inimigo a frente, seu olho direito estava completamente branco, a pupila e a íris havia desaparecido enquanto o outro olho encontrava-se normal, mantendo o verde dos olhos da menina. Todos os presentes na sala estavam com o rosto estranhamente embaçado aos seus olhos, impossível de serem identificados.
O inimigo pareceu dizer alguma coisa que seus ouvidos não conseguiram entender, mas conseguiu visualizar uma expressão cínica acompanhada de um sorriso malicioso se formando no rosto embaçado dele. Um rosnado surgiu do fundo de sua garganta, e mais uma vez o inimigo voltou a pronunciar palavras sem voz, e em uma pausa e piscar de olhos a pegou pelo pescoço suspendendo o pequeno corpo infantil no ar, murmurou algumas palavras incompreensíveis enquanto mantinha o sorriso malicioso esboçado em sua face embaçada. A mão apertava cada vez mais o pescoço frágil da criança, que tentava de varias formas se soltar enquanto o ar começava a lhe falta nos pulmões.
A mão livre do inimigo tomou distância para trás fechando-se em um punho, em velocidade punho direcionou-se ao rosto da criança...
─ Ahh! ─ Hanna acordou de seu sono em um pulo, ofegante, ao seu redor livros e papeis jogados sobre uma cama bagunçada.
Sentou-se na cama procurando se acalmar do susto se apoiando em um dos braços enquanto o outro retirava um caderno cheio de anotações de seu colo colocando ao lado sobre algumas apostilas de medicina.
O por do sol laranja entrava pela janela do quarto transpassando as cortinas brancas delica-damente o iluminando, os raios passavam com mais intensidade por uma brecha entre as duas cortinas, atingindo a cama que ficava abaixo da janela em um feixe poderoso de luz solar.
─ Droga! Não deveria ter dormido. ─ repreendeu-se enquanto olhava a hora em seu relógio de pulso marcando 18:15pm, teria uma prova esta noite e não havia estudado nada, em menos de duas horas não conseguiria estudar nem a metade. Encostou-se a cabeceira da cama já conformada, mas agora já não pensava mais na prova, isso era o que menos a preocupava. Ficou um tempo olhando para o nada que se encontrava no fundo da parede caramelo à frente, até perceber que o feixe de luz que entrara pela janela já estava quase sumindo na escuridão da noite que surgia, decidiu então se levantar.
Dirigiu-se até o banheiro da suíte parando de frente para o espelho e apoiando-se com as mãos na pia, olhava fixamente para os olhos verdes do reflexo.
─ De novo... O mesmo sonho.
***
A noite começava a cair sobre New York como um fino véu azul, nem as estrelas se mostra-vam acordadas aquelas alturas. Michaells Monteness observava ao crepúsculo da cobertura do prédio em que trabalhava, ali ficava seu escritório particular, parecia problemático ficar tão longe da sua fábrica que ficava fora da cidade, mas preferia assim, fora criado no campo, mas nunca gostou de estar em meio a tanto verde e calmaria, preferia as luzes e a euforia da cidade grande, e a paisagem que se formava com o escurecer lhe era perfeita, milhares de pontinhos luminosos de várias cores surgiam em meio à escuridão. A paisagem lembrava um pouco de quando morava aos arredores dos Alpes franceses, quando a noite caia mostrava todos os segredos que o Universo continha, milhares de constelações brotavam no céu azul marinho. Mas mesmo tendo tudo aquilo queria mais, apenas o branco das estrelas não o satisfazia e por isso preferia a paisagem que via agora, cores de todos os tipos e tons, eram tantas e tão variadas que nunca soube quantas cores diferentes existiam no total, e por esse motivo preferia aquela paisagem, porque ela o vencera.
― Pensando em que? ― perguntou um homem que se aproximava aos poucos de Michaells, logo parou ao seu lado e ficou a observar a paisagem ao seu lado. Ele aparentava ter uns quarenta e cinco anos, poucos fios brancos apareciam por entre seus cabelos negros bem arrumados, trajava um belo terno muito bem cortado na cor cinza, seus olhos verdes eram como de alguém que vivera muito, eles naquele momento focavam o nada contido invisível na paisagem.
― Há quanto tempo está aí? ― perguntou Michaells sem olhar para o homem, mantendo seus olhos fixos na noite e nas luzes, que ficavam mais fortes enquanto o sol mais fraco.
― Nunca te ensinaram que não é educado responder com outra pergunta? ― perguntou o homem com um ar um irônico enquanto chamava a atenção de Michaells.
― Parece que não ensinaram a você também.
― Errar é humano. ― a frase continha uma ironia que ele não deixou passar, mas Michaells percebeu, e isso fez com que ele olhasse para o homem.
― Às vezes parece que você quer ser como eles. ― disse Michaells enquanto voltava à atenção para a paisagem.
― Eu quero mais do que isso, por isso estou aqui. ― fez uma pausa e logo voltou a falar ― Darei meu próximo passo essa noite, e nem o Conselho poderá fazer alguma coisa como da ultima vez.
― Ela voltou como quem?
― Ela nunca deixou de ser quem é.
― Mas você pôs um ponto final, não pôs?
― Ela conseguiu se salvar, o Conselho a salvou. Imaginei que eu tivesse conseguido com tudo o que fiz, mas... Se eu tivesse ficado só mais um segundo, eu teria conseguido.
― Você vai fazer como da ultima vez?
― Não daria. Ela está madura agora, naquela época ela era uma criança, hoje uma mulher. Com o mínimo estimulo aquilo despertaria e poderia até mesmo acabar comigo, mesmo que não estivesse completo.
― O que vai fazer?
― Eu sempre estive de braços abertos esperando por ela. ― um sorriso surgiu na face do homem. Michaells olhou para ele, havia compreendido, então voltou seu olhar para as luzes.
― Sua secretária está como louca procurando você. ― disse o homem mudando de assunto.
Michaells deu um pesado suspiro fechando os olhos por um instante, depois os abriu fitando a paisagem com ar de despedida e se levantou do lugar em que estava sentado. O homem já não estava ali, então Michaells se encaminhou para dentro do prédio com um ar despreocupado.
***
─ Terceira página, vai me dizer que não é você nessa moto? ─ o homem jogou o jornal em cima da mesa onde Hanna terminava de fazer um breve lanche antes de ir para a aula, ele era negro alto aparentava ter mais de 40 anos. Estava impaciente e visivelmente irritado. Em sua testa uma veia saltava formando um caminho pela cabeça nua.
Hanna pegou o jornal e olhou para a foto.
─ Sim, sou eu. ─ respondeu calma, não daria pra negar, tinha evidências de mais. Bebeu um dos últimos goles do café puro que tomava. Ela sabia que cedo ou tarde ele a pegaria, passou o dia fugindo do julgamento, mas agora já não daria mais.
─ Você já pensou no problema que me causaria se seu nome é divulgado nesse jornal. É tudo o que eles querem Hanna. ─ pendurou o terno em uma cadeira e retirou do bolso um lenço para enxugar sua testa umedecida pelo suor.
─ Já. ─ respondeu da mesma forma de antes e comeu o último pedaço da torta que faltava em seu prato, em seguida deu seu último gole no café, tudo calmamente.
Ele passou a mão no rosto e soltou um pesado suspiro, não queria se estressar àquela hora. Olhou no relógio, já estava atrasado.
─ Escute, não vou discutir com você agora, preciso ir para reunião, mas quando eu voltar espero que seus ouvidos estejam preparados. Por precaução vou mandar colocar cadeados naquelas malditas motos. Sei que falar pra você não vai adiantar nada.
Enquanto ele falava Hanna lia o jornal atentamente, estava na primeira página.
─ “Constantes assassinatos ocorrem pelo mundo todo”... ─ sussurrou para si própria o título da manchete.
─ Hanna, está me ouvindo?
─ Ah, sim Davis, estou sim. Boa reunião. Não se preocupe, tenho fones de ouvidos, vou me lembrar de usá-los quando você chegar, maninho. ─ riu em provocação para o irmão e voltou a ler o jornal.
─ Há! Há! Não vi graça. ─ falou enquanto pegava o terno e se retirava da sala de jantar.
─ Eu vi. ─ riu sem tirar os olhos do jornal, ela lia atentamente a notícia a respeito dos assassinatos. A matéria dizia que na ultima semana a taxa de assassinatos havia subido em torno de 40%. ─ Depois o problema são os rachas... Pelo menos nós não saímos matando as pessoas. ─ Hanna terminou de ler a matéria e se levantou da mesa pegando suas chaves, saiu da sala de jantar passando pela cozinha até chegar à garagem, caminhou até o lugar onde estavam suas motos, um dos empregados tratava de acorrentá-las.
─ Eu não acredito que ele mandou mesmo fazer isso. ─ disse ela olhando o rapaz passando uma corrente na Suzuki vermelha, a sua predileta.
─ Desculpe Hanna, não adianta nem pedir, ordens são ordens. E essa, nem você pode contrariar. ─ o rapaz disse meio divertido, já estava acostumado com esse tipo de problema na mansão, e principalmente com as brigas dos irmãos. Ele bateu o cadeado e se levantou ─ Vai ter que ir de taxi. ─ ele deu um belo sorriso, conhecia Hanna que passou a morar na mansão com o pai à mansão, ele era jovem na época, tinha uns oito anos. Nunca foram de muitas amizades, mas se tratavam como velhos conhecidos de longa data.
─ Depois de ter as minhas motos vou andas de taxi? ─ disse ela completamente irritada indo até um armário e pegando um capacete ─ Está pra nascer esse dia. ─ Ela seguiu até a outra moto, um Honda prata de menor porte que a outra, mas tão eficiente quanto. Subiu na moto e engatou a chave no contato girando-a.
─ Hanna espere, vai causar problemas, sabe disso. ─ disse o rapaz se colocando a frente da moto.
─ Diga a ele que a culpa é minha e que estarei aqui para o café amanhã. ─ falava enquanto colocava o capacete na cabeça ─ Agora saia da frente Miller! ─ ordenou dando uma breve arrancada para assustá-lo.
─ Teimosa! ─ o rapaz se retirou dando passagem a ela que logo partiu para a saída da gara-gem que estava aberta. ─ Essa garota vai arranjar uma boa confusão.